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sábado, novembro 8, 2025

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Covid-19 deixou 149 mil crianças e adolescentes órfãos em 2020 e 2021

Além dos mais de 700 milénio mortos pela covid-19 no Brasil, há outras 284 milénio vítimas indiretas: crianças e adolescentes que perderam os pais, avós ou outros familiares mais velhos que exerciam papel de zelo em suas residências. O número se refere somente a 2020 e 2021, os piores anos da pandemia. Entre elas, 149 milénio perderam o pai, a mãe ou os dois.

A estimativa é de pesquisadores ingleses, brasileiros e americanos, que acabam de lançar um estudo para provar não somente a “magnitude da orfandade no Brasil”, uma vez que também “as grandes desigualdades entre os estados”.

Uma das autoras do estudo, a professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo Lorena Barberia destaca que os impactos de uma emergência sanitária são identificados primeiro entre as vítimas diretas, mas há também aqueles que são afetados por essas mortes.

“Nós quisemos olhar a vulnerabilidade das pessoas que dependem de quem faleceu. Achamos super importante lembrar que as pessoas supra de 60 anos não só tinham mais chance de morrer, mas, muitas vezes, tinham um papel na estrutura familiar muito decisivo. Muitas crianças e adolescentes dependiam dessas pessoas. Logo, pensamos que tínhamos que considerar essas estimativas, tanto de pais e mães uma vez que desses responsáveis”.

 

Professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo Lorena Barberia Foto: Wanessa Soares/Divulgação

A partir de modelos estatísticos, alimentados por dados demográficos, uma vez que a taxa de natalidade e o excesso de mortalidade ─ mortes supra do esperado ─ em 2020 e 2021, a pesquisa chegou a algumas estimativas:

  • Tapume de 1,3 milhão de crianças ou adolescentes, de 0 a 17 anos, perderam um ou ambos os pais, ou qualquer cuidador com quem elas viviam, por razões diversas; 
  • Dessas, 284 milénio se tornaram órfãos ou perderam esse cuidador por desculpa da covid-19;
  • Com relação exclusivamente às mortes por covid-19, 149 milénio crianças e adolescentes se tornaram órfãos e 135 milénio perderam outro familiar cuidador
  • 70,5% dos órfãos perderam o pai; 29,4%, a mãe; e 160 crianças e adolescentes foram vítimas de orfandade dupla;
  • 2,8 crianças ou adolescentes a cada 1 milénio perderam um ou ambos os pais, ou qualquer familiar cuidador por covid-19;
  • Entre estados, as maiores taxas de orfandade são as do Mato Grosso (4,4), Rondônia (4,3) e Mato Grosso do Sul (3,8), enquanto as menores são do Rio Grande do Setentrião (2,0), Santa Catarina (1,6) e Pará (1,4). 

Órfãos reais

Em 2021, Ana Lúcia Lopes, hoje com 50 anos, perdeu o companheiro, o fotógrafo Cláudio da Silva, o que fez com que seu rebento, Bento, que tinha 4 anos, ficasse órfão de pai. Ela lembra que esses números dizem reverência a crianças e adolescentes reais, que sofreram e continuam sofrendo com as mortes de seus entes queridos. 

 

Ana Lucia, Claudio e Bento Foto: Ana Lucia/Registro Pessoal

Sem nenhum fator de risco para a doença, ele tinha 45 anos e foi infectado durante uma viagem a trabalho. Com sintomas respiratórios, foi internado em uma quinta-feira, entubado na sexta e não resistiu em seguida uma paragem cardíaca, na segunda-feira seguinte. Nem pode rever o rebento, em seguida os dois meses de trabalho fora de mansão. 

“Eu contei para o Bento logo que aconteceu. A gente tinha um cachorrinho que morreu um pouco antes. Aí, eu falei para ele que o cachorrinho precisava de alguém lá no firmamento para cuidar dele e que o papai tinha ido fazer isso. Às vezes ele me via chorando e falava: “Mãe, você tá chorando por desculpa do meu pai?”.

“Apesar de tudo, no primórdio, ele parecia muito. Um tempo depois, quando ele foi mudar de classe na escola, ele começou a chorar bastante, porque não queria perder a professora. Aí, eu perguntei o que ele estava sentindo, e ele disse: ‘Ah, mãe, acho que eu queria o meu pai’. Foi quando ele começou o atendimento psicológico”.

Cláudio recolhia a imposto previdenciária referente ao seu trabalho uma vez que microempreendedor individual, o que garantiu a Bento a pensão por morte e evitou que a família passasse por problemas financeiros. De conciliação com outra autora do estudo, a promotora de justiça da cidade de Campinas (SP) Andréa Santos Souza, os problemas financeiros são os mais frequentes em situações de orfandade.  

Violações de direitos

Durante a pandemia de covid-19, o trabalho de Andrea Santos Souza, que atua na dimensão de Puerícia e Juventude na cidade de Campinas (SP), estava bastante focado na proteção das crianças e adolescentes afetados pelo fechamento das escolas, pela miséria pandêmica, ou pela crescente violência familiar. Até que ela percebeu um aumento nos pedidos de guarda, feitos por tios, avós e outros parentes.

“Essas crianças estavam ficando órfãs sem uma representação legítimo. Pedi aos cartórios que me mandassem todas as certidões de óbito das pessoas que morreram por Covid e que deixaram herdeiros menores. Num primeiro momento, eles disseram que não conseguiam fazer esse recorte, portanto, eles me mandaram todas as certidões de quem morreu naquele ano de 2020. Foram mais de 3 milénio, e foi um trabalho muito triste. Eu, uma estagiária e uma funcionária ficamos olhando diploma por diploma, separando todos os órfãos. Numa primeira leva, nós localizamos quase 500 crianças”, lembra Andrea.

A partir daí, o trabalho duplicou: as certidões continuavam chegando, e, ao mesmo tempo, era preciso localizar todas essas crianças, encaminhá-las para programas de assistência, checar se já constavam no Cadastro Único no Governo Federalista e se as famílias já recebiam o Bolsa Família ou o Auxílio Emergencial. Era preciso ainda verificar se elas não estavam sendo vítimas de outras violações, além de terem perdido suas mães e pais. 

“A primeira delas é a separação de irmãos, né? As famílias numerosas separam os irmãos. Quanto aos bebezinhos muito pequenos, tem o problema de adoções ilegais. As meninas tinham situações de exploração de todas as formas, trabalho doméstico forçado, conúbio infantil, ataque sexual… Em muitos meninos, a gente via o direcionamento para o tráfico ilícito de estupefaciente ou exploração do trabalho infantil…”

Além dessas situações mais drásticas, Andréa enfatiza que toda orfandade aumenta a vulnerabilidade, principalmente nos casos minoritários de crianças que perderam tanto a mãe quanto o pai, ou daquelas que já eram criadas por mães solo, quantidade bastante frequente. Os profissionais de saúde que morreram e deixaram filhos eram numerosos, mas, uma vez que a pandemia escancarou desigualdades sociais, a maioria dos órfãos era de filhos de trabalhadores de limpeza, sustento, transporte ou informais, que não puderam parar e se isolar em mansão.

Diante de exemplos tão trágicos, a promotora buscava entender melhor a dimensão da orfandade causada pela covid-19 no Brasil, quando as primeiras estimativas globais sobre a tragédia foram lançadas por pesquisadores do Imperial College, de Londres, na Inglaterra, em julho de 2021. Andréa entrou em contato com os pesquisadores, contou sobre a sua experiência localizando os órfãos de Campinas e, a partir daí, passou a colaborar com o grupo de estudos, que é o mesmo responsável pelas novas estimativas. 

Interceptação de dados

Graças ao encontro com Andréa, os pesquisadores puderam confrontar o resultado dos modelos estatísticos com os dados da promotoria, e confirmar as semelhanças. Conheceram também outra utensílio dos registros civis brasileiros, que é quase única no mundo. Desde 2015, as certidões de promanação já são emitidas em conjunto com o CPF e, quando o documento é registrado, os cartórios associam o número das crianças ao CPF dos pais, o que permite o intercepção de informações, inclusive em casos de orfandade. 

Com isso, a Associação Vernáculo dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen/Brasil) verificou que, de março de 2020 a setembro de 2021, 12,2 milénio crianças de até 6 anos ficaram órfãos por desculpa da covid-19, com proporções similares de mortes maternas e paternas, e de ocorrências ao longo dos meses. Porquê os dados da Arpen cobrem exclusivamente as crianças nascidas de 2015 para cá ou aquelas que tiveram a diploma de promanação reemitida, não seria provável saber a dimensão da orfandade exclusivamente por eles, mas os registros serviram para substanciar a validade das estimativas do estudo. 

“O objetivo é lembrar que, mesmo depois do termo da pandemia, nós precisamos de políticas públicas para dirimir as desigualdades provocadas pela pandemia, porque nós sabemos que algumas pessoas saíram em uma situação muito mais vulnerável que outras. Não houve um programa desenhado para essas crianças especificamente, e a sociedade não estava acostumada a essa magnitude de órfãos. Os programas que existem claramente precisam ser fortalecidos, porque temos um grupo novo de crianças e adolescentes, que não era esperado”, reforça a pesquisadora Lorena Barberia.

Manancial: Filial Brasil

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